Ela desapareceu durante uma caminhada e, após dois anos, suas comoventes anotações foram encontradas

No meio da floresta do estado do Maine, um guarda florestal calcula o número de árvores espalhadas por ali. Enquanto ele caminha, porém, depara-se com um acampamento abandonado. Foi assim que esse homem descobriu o paradeiro de uma caminhante a qual esteve desaparecida por dois anos. Logo, a equipe de busca encontrou o diário dessa mulher - e as palavras escritas nele são de cortar o coração.

Geraldine Largay - conhecida como Gerry - tinha 66 anos de idade quando desapareceu. Ela sempre quis percorrer a Trilha dos Apalaches, a qual é uma das mais famosas trilhas de caminhada do mundo, estendendo desde a Montanha Springer, na Geórgia, até o Monte Katahdin, no Maine.

Aliás, por boa parte de sua vida, Gerry morou perto do extremo sul dessa trilha na cidade de Nashville, no Tennessee. Lá, ela trabalhava como enfermeira e cuidava de sua filha, Kerry, junto com o amor de sua vida, George. Todavia, depois que Kerry se tornou adulta, o casal dirigiu por cerca de 400 km e se estabeleceu ao sudeste de Atlanta, na Geórgia.

Em Atlanta, Gerry encontrou muitos espaços que combinavam com sua fervorosa personalidade. Tanto que ela se uniu à organização Nature Conservancy e já se juntou a um grupo local de recém-chegados, participando de todo tipo de atividade, como caminhada e patchwork. Enfim, Gerry era muito ativa e engajada.

Inclusive, Gerry tinha um lado mais religioso. Após assumir a religião católica de George, ela costumava orar durante suas aventuras ao ar livre. Contudo, ela divertia-se também ao apenas vagar pela floresta, utilizando um manual para identificar a fauna e a flora que encontrava.

Kerry, a propósito, teve seus próprios filhos e Gerry adorava levá-los às caminhadas. Entretanto, ela permanecia de olho em algo maior: os mais de 3.200 km da Trilha dos Apalaches. Ao final, parece que esta caminhada se tornou irresistível para Gerry e ela passou a planejar sua - última - aventura; um memorável percurso que seria relatado em seu diário.

Embora o aspecto exaustivo da caminhada na Trilha dos Apalaches não agradasse a George, ele ainda assim apoiou sua esposa. Dessa maneira, o casal vendeu mais tarde sua casa em Atlanta e se mudou para viver com Kerry e sua família em Brentwood, no Tennessee. Foi enquanto Gerry residia com sua filha, na verdade, que ela traçou nos mínimos detalhes cada passo da longa jornada que teria pela frente.

Gerry até encontrou uma forma de contornar um empecilho em seu caminho. Afinal, ela lesionou as costas algum tempo antes, ficando impossibilitada de carregar uma mochila muito pesada. Então, George ficou encarregado de fornecer suprimentos a sua esposa enquanto ela caminhava ao longo da trilha. Após uma série de desafiadoras caminhadas de treino, Gerry estava pronta para iniciar seu percurso.

Em 23 de abril de 2013, Gerry partiu da cidade Harpers Ferry, na Virgínia Ocidental, com sua amiga, Jane Lee. A dupla pretendia seguir em direção ao norte; do centro da trilha até seu término no Monte Katahdin. Em seguida, pegariam uma carona de volta ao ponto de partida e caminhariam para o sul da trilha até a Montanha Springer.

De início, as coisas correram tão bem quanto elas esperavam. Aparentemente, a chuva ao longo do caminho não impediu com que Gerry seguisse otimista, escrevendo em seu diário sobre a abundante flora encontrada. O contraste era absurdo entre o entusiasmo exalado nas primeiras páginas e as angustiantes mensagens rabiscadas mais tarde em seu caderno. Mas, naquele primeiro momento, Gerry chegou a adotar o nome de "Inchworm" e, devido a sua personalidade sociável, fez amizade com diversos outros caminhantes.

No entanto, as coisas mudaram no final de junho. Ao receber a notícia de um grande problema familiar, Jane precisou deixar a trilha e Gerry para trás. Destemida, a caminhante prosseguiu sozinha, dormindo em abrigos improvisados quando o local era muito distante para que George pudesse levá-la a uma área de acampamento ou hotel.

Logo, em 21 de julho, Gerry já havia percorrido aproximadamente 1.448 km do trecho norte da trilha, restando apenas mais 321 km até o Monte Katahdin. Todavia, antes que ela pudesse alcançar George e pegar mais equipamentos para a última parte da trilha, Gerry enfrentou uma complicada caminhada de 35 km.

Como ela pensava que esse trecho de sua caminhada levaria duas noites, Gerry havia preparado uma barraca. Porém, na noite de 21 de julho, ela acabou dormindo em um abrigo chamado Poplar Ridge, próximo da cidade de Rangeley. Assim, na manhã seguinte, Gerry despediu-se um companheiro de caminhada e partiu mais uma vez - sem saber o que o destino havia reservado para ela.

Em 22 de julho, Gerry deixou a trilha em busca de um espaço isolado no qual pudesse fazer suas necessidades. Contudo, parece que ela caminhou para um local o qual foi desmatado há muito tempo e que se tornou uma bagunça de árvores e folhagens descartadas. Naquele momento, a caminhante percebeu, de fato, que havia se perdido.

Desorientada, Gerry enviou um sms a George para informar que ela estava passando por algumas dificuldades e pedir a seu marido que entrasse em contato com o Appalachian Mountain Club para obter ajuda. A mensagem dizia: "Estou com alguns problemas. Saí da trilha... Agora estou perdida. Você pode ligar para o AMC para ver se o mantenedor da trilha pode me ajudar? [Eu estou] em algum lugar ao norte da floresta".

Infelizmente, não havia sinal de celular na área e, portanto, a mensagem de Gerry não foi enviada. Na esperança de encontrar um lugar em que o sinal funcionasse, a caminhante saiu em busca de um terreno mais alto. Mas, apesar de ter lutado para passar entre as árvores derrubadas, ela não obteve muito sucesso. Desse modo, Gerry acabou montando acampamento naquela área.

No dia seguinte, Gerry tentou enviar outro sms a seu marido, pedindo que ele contatasse a polícia. Entretanto, mais uma vez a mensagem não foi enviada. Enquanto isso, George aguardava sua esposa no local combinado. Inclusive, como o tempo estava ruim, ele não ficou muito preocupado quando Gerry não apareceu naquele dia.

Todavia, como Gerry ainda não havia chegado na manhã seguinte, George logo notificou as autoridades. Não demorou muito para que a guarda florestal do estado do Maine, chamada de Maine Warden Service, iniciasse uma grande operação de busca e resgate. Dessa forma, junto com centenas de voluntários, os guardas começaram a vasculhar a área ao redor da trilha.

A princípio, as equipes de busca concentraram-se no trecho da trilha ao norte de Poplar Ridge por saberem da rota planejada por Gerry. No entanto, informações equivocadas começaram a atrapalhar a missão de resgate. Aparentemente, alguém afirmou que a caminhante havia sido vista na Montanha Spaulding - embora ela nunca tivesse chegado tão longe. Também, alguns rapazes relataram ter visto, mais adiante no caminho, uma mulher que correspondia à descrição de Gerry.

Ainda que as buscas continuassem na região de Poplar Ridge, a operação foi expandida para cobrir outros locais. Nesse meio tempo, Gerry esforçava-se para que sua escassa ração humana durasse ao longo dos dias. Aliás, na esperança de atrair a atenção dos aviões de resgate, ela tomou algumas medidas para tornar seu improvisado acampamento mais visível de cima.

Gerry mudou sua barraca para um local onde a folhagem era menos densa e cortou seu prateado cobertor térmico de emergência em tiras para pendurar nas árvores. Porém, à medida que os dias passavam, ela permanecia sozinha. Apesar de Gerry ter ouvido os aviões e helicópteros passando sobre ela, infelizmente eles não a viram.

Então, para ocupar seu tempo, Gerry fez anotações em seu diário, leu um romance que havia trazido e praticou complexos padrões de costura com pedaços de fio dental. A propósito, em 6 de agosto - 15 dias após deixar a trilha -, ela ligou seu celular e tentou enviar outro sms para George. Novamente, nenhum sinal foi encontrado.

Dessa maneira, a missão de busca e resgate cobriu uma área de 59 km², incluindo alguns dos terrenos mais distantes da região. Contudo, sem nenhum sinal de Gerry, as autoridades suspenderam a busca em 30 de julho. Portanto, por mais de dois ano, o misterioso desaparecimento dessa caminhante assombrou a Trilha dos Apalaches.

Assim, foi apenas em 14 de outubro de 2015 que um abandonado acampamento foi encontrado por um guarda florestal o qual trabalhava próximo à trilha. Ao lado da barraca, o homem descobriu algo chocante: um corpo embrulhado em um saco de dormir. Logo, ele notificou o achado e, no dia seguinte, uma pequena equipe apareceu para investigar a situação.

Nesse grupo de guardas e policiais estava Kevin Adam, líder da busca de Gerry anos atrás. Eles juntaram-se a uma equipe que estava filmando um episódio de North Woods Law e, à medida que se aproximavam do local onde restos mortais tinham sido vistos, esse difícil momento era eternizado pela câmera.

Após duas horas de caminhada, o grupo chegou ao lugar em que aquele guarda florestal havia descoberto um acampamento abandonado. Lá, eles descobriram algo que nenhum deles queria ter encontrado. Dentro do saco de dormir estava o corpo de Gerry, o qual foi facilmente identificado por sua carteira de identidade guardada ali em um saco plástico adesivado.

Para aqueles que haviam participado da busca pela caminhante, foi uma angustiante descoberta. O guarda Kris Maccabe contou ao canal Animal Planet: "Não há ninguém que quisesse trazê-la de volta para casa mais do que nós. Eu realmente sinto muito pela família".

Junto com o corpo de Gerry, eles também encontraram objetos pessoais, como seu celular - e as mensagens que nunca foram enviadas a George. Também, parece que ela havia cortado seu cartão de crédito e enterrado os pedaços para que ninguém pudesse roubar seus dados.

Entretanto, o mais comovente de tudo era o diário que Gerry havia deixado ao seu lado. Nesse caderno de anotações, a caminhante escreveu uma mensagem indicando que sabia que iria morrer na floresta.

"Quando você encontrar meu corpo, por favor, ligue para o meu marido George e minha filha Kerry", constava na mensagem. "Será muito gentil de sua parte informá-los que eu estou morta e onde fui encontrada - não importa quantos anos se passem".

O último registro no diário ocorreu em 18 de agosto - 27 dias depois de Gerry ter se desviado da trilha e 18 dias depois da busca ter sido cancelada. Após lerem as detalhadas passagens, os investigadores conseguiram entender todas as ações da caminhante naquele período - inclusive, que ela havia esperado em vão por ajuda.

No entanto, chegou uma hora que Gerry não resistiu e faleceu devido à exposição e à falta de água e comida. O curioso é que ela havia sido encontrada próxima de um caminho público. De acordo com uma notícia de 2016 do jornal The Boston Globe, o acampamento de Gerry estava situado a apenas 700 m de altitude em linha reta da trilha Railroad Road.

Aliás, o último pedido de Gerry foi que enviassem os seus pertences a sua família. Ela havia escrito: "Por favor, de coração, envie o conteúdo desta mala para um deles".

Desse modo, a família de Gerry lamentou a sua morte, porém não poupou elogios para aqueles que dedicaram muito tempo e energia na tentativa de trazê-la de volta para casa. Em uma declaração, eles disseram: "Gerry estava fazendo exatamente o que ela queria fazer. Como o relatório indica, ela estava lúcida e pensando nos outros - como sempre - até o fim".

A propósito, Gerry pode continuar a ajudar as pessoas mesmo após sua trágica morte. Afinal, em junho de 2019, o escritor Dee Dauphinee publicou o livro "When You Find My Body: The Disappearance of Geraldine Largay on the Appalachian Trail". Por meio desta obra, o autor acredita que outros poderão aprender sobre as potenciais armadilhas da caminhada.

"Eu falei sobre a cultura das trilhas na Trilha dos Apalaches. Lá é tudo tão bem marcado que muitos caminhantes insistem que não é necessário ter um mapa, uma bússola ou qualquer habilidade de sobrevivência na selva", relatou Dauphinee à rede Maine Public em 2019. "Então, eu realmente falei acerca disso no livro. Eu não tinha certeza de como a comunidade da Trilha dos Apalaches iria responder a isso. Mas, surpreendentemente, tem sido ótimo".

"Recebi centenas de e-mail de pessoas [que] leram o livro [e] vieram me contar: 'Já comprei uma bússola', sabe, coisas desse tipo", prosseguiu o autor. "Gerry era tão cuidadosa com todos que eu acho que, se ela estivesse viva, ficaria contente em saber que tudo o que ela fez na Trilha dos Apalaches pode [contribuir] para a segurança de algum caminhante".

Para a família de Gerry, contudo, vem sendo difícil lidar com a perda. O mais doloroso, segundo George, foi saber que sua esposa havia sobrevivido por tanto tempo antes de se entregar à morte. Em uma entrevista de 2016 ao The Boston Globe, George explicou: "Isso foi agonizante. Eu sabia que [Gerry] era dura na queda; eu só não sabia que ela era tão forte assim".

Portanto, dez dias depois do corpo de Gerry ter sido descoberto, sua família caminhou até o acampamento onde ela havia passado seus últimos dias. No local, eles colocaram uma cruz repleta de mensagens dos queridos netos da caminhante. Inclusive, Kerry espera um dia voltar com seus próprios filhos para este distante lugar o qual é prova da força de uma mulher.

Mais tarde, surgiu também uma polêmica em torno de Warren Doyle, o qual é fanático por caminhadas e que atualmente detém o recorde do maior número de caminhadas ao longo da Trilha dos Apalaches. Ao que parece, Gerry participou de um dos cursos de Doyle antes de embarcar em sua aventura. Todavia, Doyle afirmou que, de fato, as lições não abrangiam técnicas de sobrevivência. Dessa maneira, em 2016, o instrutor mencionou ao site Central Maine que o caso de Gerry servirá como forma de advertência por muitos anos ainda.